Obra: Tarsila do Amaral
O sol ardia. Não haveria ser humano capaz de enfrentar aquele sol rançoso, cuspindo fogo sobre essa terra pobre de meu Deus...que de pesar, eu não nego, nem tenho mais impaciência: quero viver lutando sob esse sol que castiga minha carcaça, deixa pobre e triste minhas éguas, invade os cantos da vagem e depois esconde atrás do alto dos incertos. Em nenhum momento me darei por vencido, nem na hora da morte e muitos menos nas horas que permeiam a vida. Nesse negócio de vida, mistério é pouco, certeza é bobagem. De cabeça na viola e na minha amada Ritinha, arremato a imaginação de um foguete, voando mais próximo desse sol que é soberano e menino. Penso que se anote: Não inveje o tempo que se passa, mas se prenda no tempo em que se principia. Não sou vaqueiro, nem tenho o dom do mote. Mas, sei reaver umas poesias a tira gosto no pasto ao frescor do vento, do cheiro de mato que circunda o meu rancho pequeno. Também sei viver só com umas modas e poucas galinhas e escuto os cachorros no fundão da madrugada, fazendo um coral uivante sobre a lua nova. Antes de nascer o sol na terra, esse sol já nasceu dentro de mim. Sou filho de Antônio e Maria, mas também do Ipê e da Samaúma. Não concluo nada, só espreito o som da orquestra de sapos que vem do brejo. Quem fala muito, nada sabe. Quem escuta com atenção é sábio modesto. Se ao cair da noite, a fogueira encobre o céu, uma estrela cai no fundo da grota decerto. Nunca fui homem de sondar o passado, sou mais chegado em vislumbrar o universo. Nem sujeito de falar alto, pra que nem os cachorros farejem às alegrias e os inversos.
(Leo Canaã)