ESTE ESPAÇO É DE VALORIZAÇÃO CULTURAL DOS MODOS DE VIDA DOS AGRICULTORES FAMILIARES, RIBEIRINHOS, POVOS TRADICIONAIS E INDÍGENAS DO BRASIL.

Os "Cunhas do Brasil" são uma família imensa que vive entre uma cadeia de montanhas na Zona da Mata de Minas Gerais. Dá-se conta que os primeiros Cunhas chegaram por volta da década de 30 e já tornariam famosos nas redondezas, a partir de uma missão ousada e empreendedora de conquista: A temida subida de uma enorme montanha que ficava ao pé da vila - ficou conhecido como Morro do São Luiz. Os Cunhas queriam é ficar na roça!
Com extrema coragem e perspicácia, montados em cavalos, charretes e em carros de bois, a caravana chegou a uma baixada e até hoje, passados mais de 80 anos do célebre ato, ainda se encontram no local e são símbolos históricos de que o meio rural/florestal é o melhor lugar para se viver. Diante da dificuldade de acesso à vila, ficaram praticamente isolados por mais de 40 anos fazendo com que desenvolvessem um linguajar próprio e modos específicos de sobrevivência. Atualmente, são famosos por produzirem o melhor café da região e uma cachaça mardita de boa...
...e não duvide: vivem felizes e satisfeitos assim como sabiá cantando!

8 de mai. de 2025

A Estrada da Pedreira

Imagem: Paul Cézanne

Nada passa pela estrada da pedreira. Nem um carro de boi, um cavalo, um trator, nem uma viva alma. Só os arbustos no alto da pedreira é que balançam como se fossem cachos. Nas fendas, alguns ninhos abandonados. Até o padre Júlio que vinha sempre e andava por aí desesperado para encontrar pagãos e trazer mais pessoas para a pequena igrejinha da cidade, já não passa. Nesse lugar, nem cachorro perdido dá o ar da graça, imagina gente viva! Aqui até o silêncio tem um barulho seco e as árvores parecem que a qualquer momento vão abrir os olhos, como se fossem árvores fantasmas que estão por ali desde os imemoriais tempos da criação. Em meio a desolação, casas de meia parede ou restos de construção denotam que em um tempo distante havia passagem, espera. Até o riacho que passa sobre a ponte desgastada, parece cansado de esperar, de enviar água para um lugar de ninguém. Lugar assim é como deserto: nada dá e tudo cerra. Invade em nosso peito algo mais do que é perpetrado pela paisagem que se repete a cada hora como um retrato eterno do nada. Não ouço mais gente, só pegadas, sons orquestrados da floresta que é viva e que sem gente fica ainda mais bonita. Durante muito tempo, só o Sr. Olival ficava a derrubar árvores, fazer lenha pra vender com dificuldade na cidade. Fez muita derrubada, até que um dia uma sucupira deu volta ao bater em um cipó e caiu sobre o pobre homem. Os companheiros logo gritaram e trouxeram o corpo mirrado do Sr. Olival para a estrada. Ninguém passou. Por horas esperando, resolveram fazer uma via cruzes até a cidade na noitada. Além dos companheiros de derrubada, mais ninguém. Depois disso, a floresta cresceu, ninguém mais por aqui se perdeu, o mundo se encolheu como uma aranha caranguejeira quando fica em perigo. Mais nada tinha de ser cortado ou falado, a estrada se tornou aos poucos um corredor cada vez mais fechado, intrincado de pedras, galhos, aves diversas, arbustos encolhidos cravados na pedra como tatuagem. Na cidade começaram a falar que aqui era assombrado, que a estrada  engolia quem passava pelos seus lados, que abria uma fenda sobre as pedras e para sempre se fechavam, que uma velha viúva vigiava no alto, na curva onde virava o riacho e que apareciam bichos da noite como porcos endiabrados, tomados por almas perdidas cheias de pecado. Em uma parte da estrada, em um pé de árvore cravada na pedra mais alta, uma surrada placa de madeira avisava: Quem tem medo, deixa de bobagem, o caminho é incerto e quem busca a cura, há de ter coragem. Pedra que é pedra não se espalha.

6 de abr. de 2025

Barreira

 

Vídeo: Leo Lopes - Rio Madeira, Comunidade Barreira do Matupiri, Manicoré/AM. Março 2025.

13 de set. de 2024

O Sol é um Menino

                                                                    Obra: Tarsila do Amaral

O sol ardia. Não haveria ser humano capaz de enfrentar aquele sol rançoso, cuspindo fogo sobre essa terra pobre de meu Deus...que de pesar, eu não nego, nem tenho mais impaciência: quero viver lutando sob esse sol que castiga minha carcaça, deixa pobre e triste minhas éguas, invade os cantos da vagem e depois esconde atrás do alto dos incertos. Em nenhum momento me darei por vencido, nem na hora da morte e muitos menos nas horas que permeiam a vida. Nesse negócio de vida, mistério é pouco, certeza é bobagem. De cabeça na viola e na minha amada Ritinha, arremato a imaginação de um foguete, voando mais próximo desse sol que é soberano e menino. Penso que se anote:  Não inveje o tempo que se passa, mas se prenda no tempo em que se principia. Não sou vaqueiro, nem tenho o dom do mote. Mas, sei reaver umas poesias a tira gosto no pasto ao frescor do vento, do cheiro de mato que circunda o meu rancho pequeno. Também sei viver só com umas modas e poucas galinhas e escuto os cachorros no fundão da madrugada, fazendo um coral uivante sobre a lua nova. Antes de nascer o sol na terra, esse sol já nasceu dentro de mim. Sou filho de Antônio e Maria, mas também do Ipê e da Samaúma. Não concluo nada, só espreito o som da orquestra de sapos que vem do brejo. Quem fala muito, nada sabe. Quem escuta com atenção é sábio modesto. Se ao cair da noite, a fogueira encobre o céu, uma estrela cai no fundo da grota decerto. Nunca fui homem de sondar o passado, sou mais chegado em vislumbrar o universo. Nem sujeito de falar alto, pra que nem os cachorros farejem às alegrias e os inversos.

(Leo Canaã)

21 de mai. de 2024

Canto Velho

Pintura: " As Cores do Silêncio" de Julieta Barreiro


O que tenho por aqui é um canto velho
O conto do que vivi e dos que já se foram
O apreço do cansaço e o pouso do consolo
O canto do canário e dos homens que voam
A serra do brigadeiro e o grupo de cavaleiros
Com seus animais exaustos a beira de um poço
O que tenho para dizer é dos tempos que não voltam, que não ressoam.
Sobras pueris de um conto velho
Guardado no chapéu preto do meu avô
No tacho de cobre de minha avó
Na estrada poeira do barreiro, esplendor.
Canto velho, Morro Grande
Casca Ferro, Serra do diamante
Mouro de Cego, Faca Cortante
Floresta de Cedro, Cavalo Errante.

(L.C)

29 de fev. de 2024

Banda de Pau e Corda - Entre a Flor e a Cruz [2023]

 


Vim visitar depois de muito tempo, compadre João e Comadre Vera e num é que cheguei e eles tavam ouvindo uma viola danada! Falei: - Que música é essa compadre? - Ora! é a banda de Pau e Corda! Ficamo bebinzinho por causa de umas marvadas, o tal da flor e da cruz tocou girando o mundo. E agente bebeu e comeu até quando deu. E vortei pra casa alegre, arrodeado de estrelas!

Banda de Pau e Corda - Entre a Flor a a Cruz: Disco lançado em 2023, comemorando 50 anos da banda Pau e Corda. Trabalho classudo e popular, o álbum conta com a participações de Lenine, Padre Fábio de Mello, Fagner e Marcos Valle.

Baixar aqui Banda Pau e Corda - Entre a Flor e a Cruz

18 de out. de 2023

Resposta do Jeca Tatu

 

"Resposta do Jeca Tatu". Homenagem ao saudoso Rolando Boldrin, patrimônio da cultura brasileira.

15 de jun. de 2023

10 de jun. de 2022

Espinho de Chão

Pintura: Bella

Era para ter chegado na casa de Zé Carvoeiro na noite seguinte. Na baixada que parei, havia um pequeno córrego que lutava para manter-se vivo e descer com suas frágeis águas, o penhasco da serra do Adão, que espreitava a comunidade da Serra dos Milagres. Meu cavalo Rançoso, estava cansado, depois de trotar por três dias intermináveis na secura do sertão, que desolava homens e animais. Não haveria como chegar a casa de Zé no dia combinado. Seria perigoso a noite, visto que andavam por aqui um bando de criminosos vindos da cidade, que saqueavam e que metia medo em qualquer andarilho, ainda mais os desavisados. Parecia que a terra aqui agora tinha dono. Não eram mais os coronéis da cana ou do gado, mas os coronéis do crime. A terra parecia a mesma, seca, bela e inóspita; com uma orquestração de estrelas no céu que são difíceis de ver com tamanha beleza por essas bandas. Não vinha por aqui à toa. Havia um motivo único: pedir a filha de Zé em casamento. Já conhecia Mariazinha de muito tempo. Estudamos juntos na surrada escola da comunidade desde que éramos crianças. Depois, advindo da seca e da falta de oportunidades na roça, meus pais se mudaram para uma colina mais distante daqui, com mais água e mata. Mas, sempre tive contato com ela, pois nos encontrávamos na feira da cidade de Israel, onde levávamos a nossa produção para vender na feira do município. Sempre soube que Mariazinha era a mulher da minha vida. Meu coração nunca bateu por ninguém. Todas as mulheres que tive, não passaram de uma aventura de peão. Nunca dei a nenhuma delas, esperança de que pudéssemos passar de uma boa dança de forró ou de uma noitada qualquer. O seu pai, o velho Zé Carvoeiro, conhece a minha família há muito tempo, desde quando meu pai o ajudava na queima de carvão, um dos únicos modos de fazer dinheiro à época. Hoje, o pouco de mata de resta só serve para abastecer os fogões a lenha das casas. Mariazinha ficou aqui morando com os pais e cuidando dos muitos irmãos mais jovens que ela. No último encontro que nos vimos na feira, a dois meses, combinamos que não esperaríamos mais tempo, porque o tempo corre e a vida é do agora. Já tínhamos vivido nossa juventude e estávamos sedentos por fazer a nossa vida juntos, agora que tenho condições de manter uma família com o trabalho da terra. Esperaria só a final da colheita e da panha do milho e do feijão, e no dia de Nossa Senhora Auxiliadora iria até sua casa para ter uma conversa com seu pai e a sua mãe. Nunca gostei da ideia de viver solto por aí, envolto as tropas e rotas de gado que as grandes fazendas tem na região. Gosto de ter um lugar para chegar, chamar de meu. Onde possa descansar sem apoquentar ninguém. Trabalhar duro sem ser mandado pra ir pra direita ou esquerda. Não sei como será a reação do velho Zé, visto que, sempre teve um olhar admirado pela filha mais velha, companheira de suas andanças pela mata e pela roça, além de ser companheira do pai em todas as rezas e missas na catedral de Nossa Senhora Auxiliadora em Maria da Fé. Confesso que, sempre fui as rezas e missas a procura de Mariazinha. Rezava olhando para o lado, envolto a uma vontade de vê-la, de descobrir se estava no encontro desse dia, em que lugar estava sentada, sempre entre seu pai e sua mãe. Foi em um desses encontros, na fila da comunhão, que peguei a sua mão pela primeira vez, com um zelo para que seu pai e sua mãe não pudessem perceber nossa intimidade. Mariazinha me falava dos seus sonhos: Correr pela mata á fora, plantar folhas e margaridas, ter seus bichos de estimação, sua cozinha com suas panelas bem ariadas presas na parede como se fossem quadros famosos; cuidar do pomar e ter filhos. Sonhava em ver a praia pela primeira vez comigo. Sempre pensei que a minha relação com Mariazinha fosse como uma raiz de cajá, forte, opulenta, profunda.  Envolto a esses pensamentos e no cansaço desse galope de dias quentes, adormeci ao lado da pequena fogueira feita de arbustos e galhos secos a beira do córrego, sonhando com o amanhã onde teria meu amor de minha vida palavreado, resolvido. Já traria Mariazinha comigo, era o que pensava.

Acordei com um vento frio e com o cavalo fazendo barulho com seus trotes em círculo, como se dissesse para continuar nossa caminhada até o destino. Dormi coberto sobre uma manta de couro feita pelo meu pai, em casos de viagens mais distantes e de friagens inesperadas pela caminho. O sol ainda não havia saído, coberto por nuvens cinzas grandiosas, prevendo que, poderia haver mudança no tempo. Haveria umas três horas de viagem até chegar a casa de Mariazinha. Fui trotando, sonhando e planejando os próximos passos, depois dessa conversa que selaria meu destino para sempre. A viagem até lá correu tranquila, sem muitos assombros, apenas uma pequena cascavel que estava na beira da estrada e alguns gritos destemidos ao longe da serra. Não tive medo dos criminosos, pois sabia que atuavam no escuro, no breu da noite, amedrontando passageiros, andarilhos e moradores do vale. Na minha bagagem sempre trago uma cartucheira e uma faca dada pelo meu avô paterno, que me ensinou a manusear, limpar e atirar como ninguém. Com o passar das horas, fui avistando ao longe, a casa de Zé Carvoeiro, ao pé da Serra do Adão, uma casa branca, pequena, mas muito bem cuidada. A mãe de Mariazinha, Dona Adelaide, era muito cuidadosa e caprichosa, plantando flores e frutos em volta da casa e até as construções para o gado, porcos e galinhas tinha o dedo da Dona Adelaide, que queria ver tudo bonito, bem feito.

Quanto mais me aproximava, meu coração batia mais forte, a ansiedade tomava conta e a vontade de ver Mariazinha rebatia todos os meus pensamentos e males. Quase chegando, vi que o velho Zé Carvoeiro estava na janela da casa, com seu chapéu de couro desbotado, sua barba branca caudalosa que toca abaixo do queixo, sempre fumando um cigarro  feito com palha de milho seco de sua plantação. Contendo-me, cheguei na beirada da porteira e acenei com as mãos, dizendo para o velho meu nome que ele bem já conhecia há anos. Esperava que Mariazinha aparecesse na outra janela, como ela sempre fazia quando eu me apresentava a porta de sua morada. Ao me aproximar, vi que o velho Zé estava mais cabisbaixo, silencioso, quieto e contido mais do que de costume. Ele sabia que existia algo entre eu e sua filha. Sempre estivemos juntos e ligados desde os tempos idos da escola e na feirinha. Não escondíamos nosso entendimento, mas nos contínhamos em respeito aos nossos pais. A frente do velho, cumprimentei e salvei em nome do nosso senhor Jesus Cristo. A ansiedade de ver o rosto de Mariazinha era tamanha, que mal conseguia conversar com o seu pai. Ficava olhando para a janela ou para o jardim, buscando vê-la o quanto antes, ser notada a minha chegada e presença. Zé Carvoeiro deve ter percebido minha ansiedade e minha busca por algo que não estava em seus olhos.

- Está procurando alguma coisa João? (perguntou o velho)

Desconversando, falei de como a colônia estava bonita, sem deixar de notar que algumas plantas e flores estavam tomadas por capim e matos invasores e que algumas fruteiras estavam com os pés cheios e com frutas podres ao chão. Sem pestanejar, Zé Carvoeiro me olhou como uma flecha, fumando silenciosamente seu cigarro, com uma face séria. Sabia que ele queria me dizer algo.

- João, se você veio aqui ver minha filha Mariazinha, perdeu sua viagem. Faria muito gosto que você e ela pudessem ficar juntos. Sempre percebi seu interesse por ela João. Só que, meu filho, Mariazinha nos deixou, já faz algumas semanas. Partiu com um rapaz mal encarado, como esses que chegaram por essas bandas. A sua mãe está de cama desde o dia  em que saiu com esse merda no entardecer do sol. Não come, não cuida das plantas, das ervas, do almoço. Sempre fica deitada na cama, coberta com uma manta preta, chorando de dia, sussurrando agonias de noite pela casa, retornando para a cama ao amanhecer. Eu não consigo acreditar que isso aconteceu. Minha boa Mariazinha, ficou virada pelo diabo. No dia que foi embora, o coisa ruim ficou lá na porteira, esperando, enquanto ela nos deu um adeus e disse que seria passageira do mundo agora, que iria se juntar com essa desgraça de homem. Nem nos deu tempo de chorar ou de dizer nada, saiu tão rápida pelo terreiro, parecia que estava até com uma magia. Parecia outra pessoa, não a minha filha. Nem olhou para trás, nem um pingo de dúvida sentiu. Desse dia para cá parece que tudo morreu. Volte para casa João, você é um bom homem, esqueça esse flor que conheceu que virou espinho de chão.

(Leo Canaã)

7 de jan. de 2022

Sertão do Meu Coração

Foto: André Dib - PARNA Catimbau (PE/Brasil)

O sertão é do tamanho do mundo.
Sertão é dentro da gente.
O sertão é sem lugar.
O sertão não tem janelas, nem portas.
O sertão é uma espera enorme. 

(Guimarães Rosa)

14 de out. de 2021

Helena da Floresta

 
Graffiti : Sebá Tapajós e Robson Sark

Helena

Tenha cuidado

Quando sair da floresta

Leva uma rosa e um terçado

Helena

A vida lá fora não é fácil

Quando sentir-se sozinha

Lembre-se de nós, de sua árvore.

Helena

Busque sabedoria

Quando sair pede para suas guias

Nossa Senhora da Aparecida e do Rosário


És pequena de comprimento

Nobre e grande em sentimento

Espero que possa amar e ser amada na vida

Em nenhum momento

Duvide do amor e da fé minha filha

Seja caminho e alegria

As curvas do rio trazem redemoinhos

São muitas lutas para quem é vivo

Só posso dizer Helena assussena 

Sonhe e lute, preserve sua luz e coragem. 

( Leo Canaã )

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Naquele dia que você foi embora

Chorei escondido na samaúma que você adora

enquanto sua mãe desabada na rede

Abraçada com uma foto sua de agora ... (LC)